- Menino vai estudar pra ser alguém na vida!
- Sabe de uma coisa, quando eu crescer eu quero mesmo é ser
velho, igual o vovô...
MARCOS DANTAS - O mundo não era tão moderno quando já se ouvia a celebre
declaração dos mais velhos exortando os de tenra idade executar seus conselhos
para assim se tornarem ‘alguém na vida’.
Alguém na vida já o é desde a concepção que, ao passar dos
dias os genitores já podem se comunicar com o pré-rebento que responde com os
famosos ‘chutes’ na barriga.
Certo é que poucos pensam que independente de ser ou não
‘alguém na vida’, ficar velho é uma lei natural de todo ser. Com a modernidade
chegou também para alguns uma melhor qualidade de vida, o que proporciona o
alongamento de dias e os velhos passaram ser considerados idosos.
Mas para aquele menino, o velho avô era velho mesmo, sua
barba e cabelos brancos diziam que ele era velho, sábio, muita experiência,
isto era demonstrado nas palavras, nos gestos, nas brincadeiras, no olhar e nas
respostas sobre cada coisa que o menino queria saber.
O velho sabe que não precisa ir à farmácia comprar o
remédio, seu pai, seu avô lhe ensinara que bem ali na mata, no pasto, no
quintal da casa tem aquela folha, ou raiz para fazer o chá. O velho aprendeu
que uma boa amizade não faz ou se mantém via Web, facebook, SMS, smartphone,
câmeras digitas (as fotos de lambe-lambe formavam os álbuns), notebook, laptops,
tablets, iPhone, iPad, os velhos orkut/MSN... a amizade não precisava de upload,
download nem de links, era o bate-papo ali no pé do ouvido com o
compadre.
TI (tecnologia da informação) nem pensar!
Bastava um pulinho na esquina e já se sabia de tudo da vila, nada de
globalização, política econômica, política interna e externa, câmbio, trânsito,
bolsa que sobe que desce, o mundo não interessava, já se tinha assunto demais
para ser falado. Ficção só mesmo nas conversas em noites de lua cheia, todos
sentados à porta da casa, as crianças brincando no terreiro, enquanto os velhos
falavam de lobisomem, mula-sem-cabeça, caipora, e tantas outras figuras do
repertório imaginário dos velhos idosos.
As frutas e legumes eram cultivados sem
agrotóxico e bastava ir à roça que as sacolas voltavam, apinhadas, dos mais
variados gêneros que garantiam o cozido de fim de semana que reunia toda família
e os amigos mais chegados. Estresse era algo que não se falava e nem se
sentia, todos riam de si, das conversas corriqueiras, das lembranças vividas e
contadas pelos ‘causos’ floreados até repetidos mas que atraíam a atenção e
faziam sucesso bem mais que os programas rebolantes da TV, das telenovelas
‘super-sensualizadas’ e do indecoroso, anti-família, e malfadado Big Brother.
Compartilhar os bons momentos, estar juntos na alegria, na
doença e na tristeza, curtir a paisagem bucólica do campo e o olhar meio que
insinuante da moça na janela era o que se arquivava nas memórias que o tempo
não deleta, e tudo era atualizado quando se navegava entre nuvens formatadas virtualmente
pelos sonhos.
- E as músicas do seu tempo vovô?
- Ah, as músicas eram verdadeiras poesias, falavam das
flores, do beijo na mão, da casinha de sapê, do vestido azul, do azul piscina,
do barquinho e do mar, do rio e das florestas, da injustiça, da pobreza,
cantava contra a guerra, falava do amor. Composta e cantada por encanto da mulher
(não era chamada de frutas), nunca as chamava de cachorras, preparadas,
novinhas e não se ouvia palavrão...
- Palavrão como Otorrinolaringologista?
- Palavrão como Otorrinolaringologista?
- Não, palavras que quando os meninos falavam, suas bocas
eram lavadas com sabão.
- Então vovô, quando eu crescer, eu quero ser velho...
Nenhum comentário:
Postar um comentário