segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Quando crescer, quero ser velho...



- Menino vai estudar pra ser alguém na vida!
- Sabe de uma coisa, quando eu crescer eu quero mesmo é ser velho, igual o vovô...

MARCOS DANTAS - O mundo não era tão moderno quando já se ouvia a celebre declaração dos mais velhos exortando os de tenra idade executar seus conselhos para assim se tornarem ‘alguém na vida’.

Alguém na vida já o é desde a concepção que, ao passar dos dias os genitores já podem se comunicar com o pré-rebento que responde com os famosos ‘chutes’ na barriga.

Certo é que poucos pensam que independente de ser ou não ‘alguém na vida’, ficar velho é uma lei natural de todo ser. Com a modernidade chegou também para alguns uma melhor qualidade de vida, o que proporciona o alongamento de dias e os velhos passaram ser considerados idosos.

Mas para aquele menino, o velho avô era velho mesmo, sua barba e cabelos brancos diziam que ele era velho, sábio, muita experiência, isto era demonstrado nas palavras, nos gestos, nas brincadeiras, no olhar e nas respostas sobre cada coisa que o menino queria saber.

O velho sabe que não precisa ir à farmácia comprar o remédio, seu pai, seu avô lhe ensinara que bem ali na mata, no pasto, no quintal da casa tem aquela folha, ou raiz para fazer o chá. O velho aprendeu que uma boa amizade não faz ou se mantém via Web, facebook, SMS, smartphone, câmeras digitas (as fotos de lambe-lambe formavam os álbuns), notebook, laptops, tablets, iPhone, iPad, os velhos orkut/MSN... a amizade não precisava de upload, download nem de links, era o bate-papo ali no pé do ouvido com o compadre.

TI (tecnologia da informação) nem pensar! Bastava um pulinho na esquina e já se sabia de tudo da vila, nada de globalização, política econômica, política interna e externa, câmbio, trânsito, bolsa que sobe que desce, o mundo não interessava, já se tinha assunto demais para ser falado. Ficção só mesmo nas conversas em noites de lua cheia, todos sentados à porta da casa, as crianças brincando no terreiro, enquanto os velhos falavam de lobisomem, mula-sem-cabeça, caipora, e tantas outras figuras do repertório imaginário dos velhos idosos.

As frutas e legumes eram cultivados sem agrotóxico e bastava ir à roça que as sacolas voltavam, apinhadas, dos mais variados gêneros que garantiam o cozido de fim de semana que reunia toda família e os amigos mais chegados. Estresse era algo que não se falava e nem se sentia, todos riam de si, das conversas corriqueiras, das lembranças vividas e contadas pelos ‘causos’ floreados até repetidos mas que atraíam a atenção e faziam sucesso bem mais que os programas rebolantes da TV, das telenovelas ‘super-sensualizadas’ e do indecoroso, anti-família, e malfadado Big Brother.

Compartilhar os bons momentos, estar juntos na alegria, na doença e na tristeza, curtir a paisagem bucólica do campo e o olhar meio que insinuante da moça na janela era o que se arquivava nas memórias que o tempo não deleta, e tudo era atualizado quando se navegava entre nuvens formatadas virtualmente pelos sonhos.

- E as músicas do seu tempo vovô?
- Ah, as músicas eram verdadeiras poesias, falavam das flores, do beijo na mão, da casinha de sapê, do vestido azul, do azul piscina, do barquinho e do mar, do rio e das florestas, da injustiça, da pobreza, cantava contra a guerra, falava do amor. Composta e cantada por encanto da mulher (não era chamada de frutas), nunca as chamava de cachorras, preparadas, novinhas e não se ouvia palavrão...
- Palavrão como Otorrinolaringologista?
- Não, palavras que quando os meninos falavam, suas bocas eram lavadas com sabão.
- Então vovô, quando eu crescer, eu quero ser velho...

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