por Marcos Dantas - Era por volta da meia-noite quando o
ônibus parou na Rodoferroviária de Brasília naquele final da primavera de 2006.
Juntamente com alguns outros passageiros, desci do ônibus que nos levava de
Goiânia para a Bahia; meu destino era Itabuna, que fica na região sul daquele
Estado.
“Aqui é só para embarque”, avisou o motorista. Mesmo assim
quem havia descido procurou alguma lanchonete, eu fui ao banheiro para um
‘número 1’ de praxe, porque faze-lo no minúsculo toilette do bus não se tem o
espaço de um ‘mijatório’ convencional...
Porém a minha expectativa foi frustrada ao chegar na porta
do banheiro da nada confortável rodoviária da Capital Federal ao deparar-me com
aquele ‘catingão’ e água suja espalhada por todos os lados. Procurei fitar o
rosto do único zelador (?) e perguntei-lhe se só havia aquele banheiro, ao que
ele, com meias palavras afirmou que sim.
Decepcionado e me perguntando como poderia ser aquilo se se
paga tão caro numa passagem de ônibus, além da famigerada taxa de embarque
para, sem opção, ter que usar um banheiro com aquela fedentina toda... Percebi
que o do ônibus não era tão ruim assim. E a cara de satisfação do zelador(?) em
me ver voltar, a todo instante me vinha à mente que a partir daí queria mesmo
era ‘desligar’, dormir e esquecer a cena. Ainda tive que admitir que deveria
ter dado ouvidos ao aviso do motorista. “Aqui é só para embarque”.
Uma semana depois estava eu passando de volta na mesma Rodoferroviária,
não sei porque, talvez achando que passados alguns dias a situação estivesse
diferente, e quando me vi lá estava novamente contemplando a velha cena, o
mesmo zelador(?). As únicas diferenças em relação a primeira ocasião é que agora
estava fria a noite e eu estava com um paletó por sobre uma camisa de manga
curta.
- Boa noite! Será que tem um outro banheiro que eu possa
usar...
- Boa noite, doutor! Claro que sim, me acompanhe que vou
levar o senhor no da administração. O Senhor sabe, lá não pra qualquer um...
- Sim, sei... agradeço pela sua especial atenção.
Me senti o tal, uma espécie de “manda quem pode”, ou mesmo o
ultimo real do bolso.
Subimos por um elevador e em seguida fiquei pasmo com o bom
gosto e requinte do ambiente a que chegamos, diferente de tudo que se vê nas
plataformas de embarque e desembarque, e daquele molhado e fétido banheiro a
que os ‘sem-paletó’ são obrigados a usarem, se quiserem ‘desapertar’.
- Doutor, fique a vontade; estarei aqui fora lhe esperando,
qualquer coisa é só chamar... se quiser tomar um banho, tem chuveiro quente, é
só falar que providencio uma toalha.
- Sim, obrigado, meu rapaz...
Fato é que o toilette da administração era um luxo só, aí
não pensei duas vezes, sabe de uma coisa dessa vez não será só o número 1,
farei também o número 2... que maravilha! Agora me sentia de verdade em
Brasília dos políticos, não a dos brasileiros...
Aqueles poucos minutos trancado naquele pomposo ‘cagatório’
administrativo fizeram-me refletir em tudo o que se passou ali desde uma semana
anterior, até aquele presente momento, a cordialidade do zelador que no final,
pasmem (merecia 10 reais), só ganhou aqui do ‘doutor’ 1 real de gorjeta pois a
grana tava escassa. Fiquei envergonhado, quando lá voltar ainda quero lhe
‘pagar’ os 9 reais... Voltando às reflexões, pensei ainda que o zelador tivesse
me confundido com algum deputado, senador, quem sabe alguém do alto escalão do
governo, ou um diretor de alguma multinacional...
Dei um breque no devaneio e disse pra mim, calma, você está
na Rodoferroviária e não no Aeroporto Internacional. Mas confesso uma coisa,
foi muito bom ser chamado de doutor. Fiquei pensando, porque na semana passada
eu não te usei meu velho paletó? A viagem teria sido cem por cento,
inesquecível...