MARCOS DANTAS - Alguém já disse que quanto mais velhos ficamos, mais solta
fica a língua, sem se importar se darão credito ou não. Talvez por isso Bento
XVI, de 85 anos, rasgou o verbo em seu primeiro aparecimento em público depois
que anunciou que dia 28 de fevereiro deixará o ‘trono vaticanal’. A mística em
torno de uma eleição papal é grande e quando se trata de um pleito causado pela
renúncia do mandatário da Cúria Romana, então as expectativas e exploração do
assunto ainda são maiores. A última abdicação de um papa ocorreu em 1415, por Gregório
XII. Considerando que, mesmo eu, não sendo nenhum ‘especialista em vaticano’,
ou seja, um vaticanista, no entanto me arrisco neste comentário, diante do que
já ouvi e li na imprensa.
Vale ressaltar que a imprensa, só depois do anúncio da
renúncia do Bispo de Roma é que explorou mais detalhadamente sobre determinados
assuntos e até sobre a personalidade do alemão Joseph Ratzinger
que foi o ‘homem forte’ durante o pontificado de Karol Wojtyła (João Paulo II),
com sua marcante personalidade atuou de forma a que o tom conservador na Igreja
Católica se sobrepusesse aos interesses da ala progressista. Mas o que me
chamou atenção nesses dias de renúncia na capital do catolicismo foi o
pronunciamento (homilia) do Pontífice durante a Missa de Cinzas, quando
denunciou a “hipocrisia religiosa” e o comportamento dos que buscam somente “aplausos
e aprovação”. “Jesus criticou a hipocrisia religiosa de sua época”. Bento XVI
estava falando de e para quem?
O chefe maior do Vaticano acumula os cargos
de líder político daquele estado, e de líder religioso da mais antiga e maior
denominação do cristianismo. Portanto, conhecedor a fundo dos meandros das duas
vertentes pelos bastidores do governo papal. Joseph Ratzinger (7,8 anos de
papado) conviveu ao lado de Karol Wojtyła (27 anos de papado) desde os seus
áureos dias, até os últimos anos de sua vida quando era visível que a sua
capacidade física e administrativa já não era igual ao do ‘papa esquiador’.
A forte explicação do Vaticano para a
renúncia de Bento XVI, segundo disse o próprio, é a incapacidade física e
mental para continuar governando. Tal explicação perdeu peso justamente na
‘quarta de cinzas’ quando Joseph Ratzinger leu por quatro horas, em vários
idiomas, a pauta que ele mesmo escreveu, além de ter chegado andando sem
auxílio e permanecido de pé firme diante da multidão que o aplaudia. Na verdade
a cúpula diretiva do Vaticano não sabe como será a convivência com um ex-papa e
outro vigente. Já se sabe que Joseph Ratzinger viverá no Vaticano pois isto
manterá sua imunidade contra eventuais processos com relação às denúncias de
pedofilia que ele tem sido considerado conivente ao proteger alguns acusados
que pertencem ao colégio que o elegeu e que elegerá o seu sucessor. Lembrando
que 60% dos cardeais com direito a voto no Conclave foram nomeados por Bento
XVI.
Sem medo de errar, qualquer mortal pode
afirmar que, uma instituição milenar do nível de poder econômico e influência
na maioria das nações (a opinião do Papa se não muda as coisas, forma a opinião
de milhões de pessoas) da referida denominação religiosa, por mais mística que
seja quanto ao espiritualismo do seu ‘gabinete’, como todas as instituições
chefiadas por uma diretoria humana, seria ingenuidade pensar que dentro da
mesma não haja a disputa política e mesmo o tráfico de influência, segundo
alguns comentaristas, tão temido por alas nem tanto simpáticas a Bento XVI,
quanto a sua interferência na eleição do sucessor e no próprio comando da
instituição nos próximos cinco ou dez anos para consolidação do ‘projeto’ de
Ratzinger, ou mesmo para que não haja modificação por certo tempo.
Ouvindo ainda um renomado especialista em
Vaticano e no Direito Canônico, me surpreendi quando este revelou que o DC
referenda o direito a qualquer cidadão, não importa sua nacionalidade, desde
que professe ser católico apostólico romano, a candidatar-se a Papa. Quem o
elegeria ele não deixou claro... já que, pela forma tradicional existe um
colégio eleitoral (conclave) para tal fim. A pergunta é: referido colégio teria
disposição para aceitar uma disputa entre um leigo e um dos 116 cardeais candidatos
naturais deste colégio? Sem dúvida alguma, o jogo de interesse, projetos
pessoais e de ‘bancadas’ não podem correr riscos.
Fato é que, os verdadeiros motivos que levaram
Bento XVI a renunciar do pontificado se “para o bem da igreja” é ou não, a real
versão, só o tempo ou mesmo o próprio Joseph Ratzinger, que demonstra não ter
‘papo’ na língua, dirá. Se foi sua firme posição contrária a ordenação de
mulheres ao sacerdócio, ou a condenação do casamento entre o mesmo sexo, e o
aborto; as acusações de pedofilia pesando sobre integrantes do alto clero, além da freada na
teologia da libertação. Porém, a primeira impressão que se tem quando se pensa
um pouco sobre as palavras do Papa “estão querendo manipular Deus para seus
próprios benefícios”, se não estaria ele querendo dizer que a sua abdicação à
chefia da igreja seria para não ser ele (vencido pela idade) manipulado quando
sem forças físicas e mentais para tomar ou manter decisões cruciais, talvez
lembrando ele dos últimos anos do pontificado do seu antecessor, teme ter que trilhar
o mesmo caminho?